0

Quem gosta de animais já sentiu de certeza o pânico de não conseguir ficar indiferente a um gato ou cão perdido na rua e de não saber como o salvar.
Não há uma solução perfeita para esta situação, mas há sempre algo que podemos fazer!

cão perdido

A teoria

Em Portugal a teoria é que todos os animais de companhia têm um responsável legal e que os municípios são encarregues de recolher os animais errantes e de os devolver aos detentores. Neste quadro tudo é perfeito: um gato ou cão perdido é reunido com a sua família, os animais abandonados são defendidos pela legislação de crime de abandono.

A prática

Acontece que, apesar do microchip ser obrigatório desde 2008 (para cães, porque para gatos é opcional), a esmagadora maioria dos animais que aparecem na rua não têm qualquer identificação. E aparecem muitos animais na rua! Talvez porque quem não regista o seu animal tem também outros comportamentos negligentes que aumentam o risco de perda. Ou então será pela impunidade inerente ao abandono de animais sem identificação. Seja por que for, há MUITOS animais na rua. Uns perdidos, outros abandonados, outros já de segunda geração.

A batata quente

Mas não é só na rua que há muitos animais. Os canis municipais (Centros de Recolha Oficial de animais) estão a transbordar e os abrigos das associações de protecção animal a transbordar estão. E quem encontra um gato ou cão perdido vai dar por si a saltitar de “não” em “não”, de uma entidade para outra, enquanto todos fogem à palavra responsabilidade.

A minha opinião

Cada um tem a sua opinião. Eu acredito que o dever é público – seja por motivos éticos, sanitários ou outros –, eu acredito que o estado e os municípios devem assumir a responsabilidade pelos animais de ninguém. Mas a realidade é que os canis não têm capacidade (a vários níveis) para acolher todos os animais que estão a viver na rua.

cão perdido
cachorros abandonados
gato abandonado
cão abandonado

E agora? O que é que eu faço?

A minha prioridade é salvar aquele animal que se atravessou no meu caminho e a quem não consigo ficar indiferente. Mas a solução não é óbvia, questões éticas, legais e práticas entram em conflito e terá que ser a consciência de cada um a decidir como agir. Isto é o que eu faço, por ordem crescente de desespero e de envolvimento:

1) CAPTURAR

Às vezes o bicho cai-nos no colo mas outras vezes é uma odisseia apanhá-lo. Tirar uma foto ao animal é sempre uma boa ideia (se não atrapalhar o salvamento), assim, mesmo que não o consigamos capturar podemos partilhar que foi visto (no site Encontra-me.org e junto a moradores).

Para um gato a melhor estratégia é embrulhá-lo numa toalha (camisola, mala, etc), no caso de um cão perdido o ideal é uma trela, real ou improvisada (cinto, alça da mala, atacador, etc). Assim que o animal está seguro podemos tentar ver se tem identificação visível – numa medalha ou etiqueta, na coleira (por fora ou por dentro) ou no peitoral. É incrível a facilidade com que um número de telefone numa chapa resolve um gigante drama em poucos segundos! Mas provavelmente não será o caso.

1.1) A seguir devíamos passar para o ponto 2 mas para poupar tempo e paciência sugiro ver primeiro no site Encontra-me.org se há algum anúncio de animal perdido que corresponda ao que encontrámos e ir ao veterinário mais próximo ver se o bicho tem microchip. Note-se que a leitura de microchip é um serviço gratuito que qualquer veterinário presta. No entanto, atenção que depois de ler o microchip é necessário contactar a base de dados para pedir os contactos associados àquele número e fora do horário laboral não há atendimento – surpresa!

2) CHAMAR A POLÍCIA

Diz que perante um animal na via pública devemos contactar as autoridades (PSP ou GNR), é a nossa obrigação legal pois um cidadão que recolhe um animal da rua está a raptá-lo. Imaginem que perderam o vosso cão de vista e que a querida da D. Florinda o recolheu cheia de pena e deu-lhe casa para a vida. É então o papel das autoridades responder a qualquer denúncia de gato ou cão perdido na via pública e proceder à identificação dos seus detentores para o restituir. Acontece que já percebemos que a maioria dos animais não terão identificação visível (e não, as autoridades não têm leitores de microchip portáteis), então as autoridades levam a batata quente ao canil municipal onde o veterinário vai ler o microchip e, não conseguindo, vai dar entrada do animal.

Pois, mas não vai ser assim tão fácil. Porque as autoridades vão atender o telefone com muito pouca vontade de se deslocar ao local e vai saltitar a batata quente, é preciso insistir com confiança e determinação! Isto porque as autoridades sabem que a seguir vai ser um filme conseguir acolhimento no canil. Está cheio, é fim-de-semana, não está cá o veterinário, este município não tem canil…

3) ACOLHER

Imaginem que tudo falha. A polícia não quer ir ao local, o canil está cheio ou não existe, as associações não atendem. A batata está nas nossas mãos. Na realidade, eu confesso que tenho tão pouca confiança em terceiros que escolho sempre ser eu a salvar os bichos – a melhor perspectiva de futuro para um gato ou cão perdido na rua é ser acolhido por um particular! E se o que queremos é o melhor, devemos ser nós a assumir a responsabilidade pelo animal. Mas isto não quer dizer que temos de ficar com ele, há alternativas, poucas mas há:

3.1) Atacar amigos e familiares na esperança que alguém possa acolher o animal é a melhor estratégia se não o pudermos levar nós para casa.

3.2) Contratar um serviço de hotel para animais é uma boa opção mas normalmente temos de desparasitar e vacinar o cão ou gato antes de poder ser aceite. Há hotéis que fazem preços solidários quando se trata de um animal abandonado mas também há outros que simplesmente não aceitam estes casos de risco.

3.3) Por isso, muitas vezes o primeiro passo é ir ao veterinário, fazer um check-up, desparasitar e começar as vacinas e, se for preciso, pedir internamento por uma noite para ganharmos tempo para encontrar outras soluções.

4) ESTERILIZAR

É tão importante esterilizar todos os animais que nos passam pelas mãos que faço questão e dar destaque a este ponto. Não há casas para todos os animais em Portugal! Cada animal que nasce tira uma família a um animal abandonado. É preciso parar o nascimento de mais animais. E não há mais conversa!

Todas as pessoas que querem um animal podem encontrar o seu par perfeito num abrigo de uma associação ou num canil municipal. Com qualquer idade, com qualquer personalidade, com qualquer feitio. O abandono calha a todos. Não há espaço para trazer mais animais de companhia a este mundo cruel. Esterilizar é salvar. E todos os cães e gatos que resgato são esterilizados assim que possível (logo depois das vacinas) e só os dou para adopção quando isso está tratado. Se por alguma razão não é possível esterilizar, faço disso condição para quem o queira adoptar e só transfiro a titularidade do microchip do animal para o adoptante quando me apresentar prova da esterilização.

Mais sobre a importância da esterilização no site Esteriliza-me.org

5) DAR PARA ADOPÇÃO

Assim que a batata começar a arrefecer e o nosso pânico a acalmar, podemos concentrarmo-nos na tarefa de arranjar uma família para o animal.

Claro que a família original pode andar à procura dele e devemos esforçarmo-nos para os reencontrar mas não vale a pena contar com esse final feliz. E, infelizmente, há muitos mais animais abandonados que famílias a querer adoptar, por isso vamos ter que ser bastante agressivos nos nossos esforços de divulgação do animal e devemos começar quanto antes.

Há muito a dizer sobre dar um cão ou gato para adopção num “mercado” tão cheio de oferta e ainda mais sobre a enervante decisão de confiar um desconhecido com a nossa preciosa batatinha. Noutro post explico todas as minhas dicas para dar um animal para adopção, vejam aqui: → Mini guia: como dar animais para adopção ←

Terminada esta etapa? Parabéns, encontrámos uma família responsável que é a alma gémea da batata!
Agora sim, podemos dizer que salvámos um animal.

Antes prevenir que remediar!

E agora que já estamos sensibilizados para todo o drama que é o universo dos animais perdidos, mesmo que não tenhamos nenhuma batata quente nas mãos, vamos falar sobre prevenir, para termos soluções caso um dia precisemos!

1) PROTEGER OS NOSSOS ANIMAIS

É tão fácil reduzir o risco de perdermos os nossos animais! E é um dever que temos por eles, por nós, e por quem os pudesse encontrar perdidos. As 3 prioridades são:

  • Colocar microchip nos cães e gatos e registar com os nossos contactos – pode ser feito em qualquer idade e em qualquer veterinário;
  • Colocar uma medalha com o nosso telefone na coleira do cão ou gato – à venda no Facebook, lojas online e em algumas lojas de animais e casas de chaves;
  • Esterilizar os nossos animais – a esterilização reduz os comportamentos de fuga e vadiagem de motivação sexual (mais info em Esteriliza-me.org)

2) KARMA – O EFEITO DAS NOSSAS ACÇÕES

Se forem como eu, têm um íman e um radar para animais em apuros! Quem gosta de animais vai ser sempre mais sensível ao seu sofrimento e estar mais exposto a encontrar um bicho abandonado. Por isso, mais vale prevenir, ou seja: façam-se sócios, voluntários e padrinhos de associações de protecção animal e se algum dia encontrarem um bicho terão mais experiência e mais recursos para o ajudar!

Este post foi inspirado na minha participação numa mesa redonda com o mesmo título na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa sob a organização do Grupo de Apoio aos Animais da Faculdade (GAAF) – obrigada pelo convite!

Notas:

SOBRE NINHADAS

gatos de rua

Atenção que as ninhadas de gatinhos nem sempre precisam de salvação!

Muitas pessoas recolhem gatinhos bebés porque acham que “foram abandonados” quando isso não foi o que aconteceu. Conforme os gatinhos vão crescendo, a mãe vai cada vez passar mais tempo longe do ninho. Ou os pequeninos vão cada vez afastar-se mais em aventuras exploratórias. Se encontrarmos um ou mais gatos bebés na rua sem uma mãe à vista não devemos intervir de imediato. Devemos antes montar vigilância num sítio discreto e observar pacientemente se a mãe regressa – claro que, com o bom-senso devido! Se estivermos em pleno Inverno e os gatinhos estiverem encharcados ou qualquer outro cenário terrível, não vamos esperar para ver!!!

É verdade que, mesmo que tenham mãe, um gato que nasceu na rua está sujeito a muitos mais riscos do que um gato de casa e podemos querer dar-lhes uma vida melhor. Mas se quisermos intervir, devemos capturar também a mãe pois é essencial para o bom desenvolvimento dos pequeninos e é a raiz de todo o mal, ou seja, uma gata na rua vai ter 2 ninhadas por ano e se não a capturarmos e esterilizarmos vamos ter de recolher centenas de gatinhos ao longo da sua vida!

SOBRE ASSOCIAÇÕES

abrigo de cães

As associações de protecção animal são organizações fundadas por particulares que queriam fazer algo para proteger os animais em risco.

A maioria das associações não têm financiamento estatal e por isso não têm qualquer obrigação legal. Não podemos exigir a outro particular que assuma as responsabilidades que nós não queremos assumir e cuja nossa sociedade não apoia. As associações estão cheias, os recursos que têm são muito poucos e dividem-se por centenas de animais. Qualquer um de nós tem de certeza mais tempo e mais dinheiro para ajudar um bicho abandonado do que um voluntário numa associação que tem que cuidar de 100 bichos por dia.

As associações são experientes e podem ser um óptimo apoio se encontrarmos um animal abandonado mas sejamos razoáveis e não esperemos que aceitem prontamente resolver todos os problemas com os quais nós não queremos lidar!

Contactos úteis:

Associações experientes em Capturar-Esterilizar-Devolver (CED):

Há várias associações em Portugal que fazem CED em animais de rua, procurem a mais perto da vossa zona e apoiem-na.

Associações com hospitais veterinários:

Algumas associações de protecção animal têm hospitais ou clínicas veterinárias com custos reduzidos para sócios. Inscrevam-se para beneficiar dos descontos e apoiar o seu trabalho.

Associações de protecção animal em Portugal:

Há muitas associações de protecção animal, com diferentes valências, espalhadas por todo o país. Tornem-se sócios, padrinhos, voluntários, família temporária ou adoptantes de uma associação.

Por favor coloquem questões, façam sugestões ou corrijam este conteúdo para que possa ser fidedigno e útil!

POSTS SEMELHANTES

17/09/2018

Encontrei um animal na rua! E agora? O que é que eu faço?

12/09/2018

Mini guia: como dar animais para adopção

01/02/2018

Humanos que querem ser o melhor amigo do seu cão ou gato

4 Comments

  • Teresa Sengo diz:

    Rita, há uns anos recolhi dois cães errantes que estavam perigosamente no meio de uma estrada. Perguntei a toda a gente em redor se os conhecia. Levei-os a 3 veterinários da zona. Sem chip mas de raça, convenci uma amiga a dar-lhes alojamento por uma ou duas noites porque o canil municipal não tinha espaço, nem vontade. Tirámos fotos, divulgámos. Liguei a uma associação animal que se prontificou a vir buscá-los. Demorou algum tempo, não muito, mas o suficiente para que a minha amiga recebesse ameaças por parte de um suposto dono, médico, que tinha as duas criaturas em tão mau estado que sangravam da boca, eram um casal… Ela cheia de leite, inchada e com mastite, ele ferido possívelmemte por ter sido o herói e os ter salvo. A polícia foi chamada. Os cães entregues à dita associação que lhes arranjou dono, pudera, eram de raça. Isto deu em 2 /3 anos de idas a tribunal. Despesas que nunca ninguém se prontificou a ajudar a pagar. Eu nunca mais reco,no qq Animal. Tiro foto e partilho localização. Desculpe o desabafo.

    • É verdade Teresa, muitas vezes resgatar um animal significa um labirinto de preocupações e problemas. Isto acontece porque ainda há pouca protecção jurídica para os animais e pouca responsabilização estatal. Por isso é que recomendo sempre denunciar os casos às autoridades. Mesmo que não possamos fazer mais do que isso, sinalizar o número de animais abandonados é o primeiro passo para dar visibilidade ao problema e exigir medidas para o combater!
      Eu também já tive histórias de resgates que se complicaram e nesses momentos é inevitável que uma pessoa pense que nunca mais se quer voltar a meter nisso. Mas depois há outros resgates surpreendentemente simples e felizes que nos enchem o coração e dão um pouco mais coragem 🙂
      Parabéns por não ter ficado indiferente a esses dois cães que se cruzaram consigo Teresa, que belo final feliz!

  • sérgio rocha diz:

    As associações não têm apoios, mas pululam agora. Nunca têm espaço, mas recebem prontamente os animais se pagarmos uma mensalidade para arrendar o espaço (falamos de largas dezenas de euros). Existem leis que obrigam as autarquias a procederem a recolha e esterilização, mas nunca estão disponíveis. As forças policiais destacadas para tratar destes assuntos têm sempre uma enorme vontade de inércia para se desculparem sempre que possível para não actuarem. A causa animal tornou-se um negócio: os alimentos aumentam de preço de forma constante, tornando-se produtos de luxo (qualquer dia fica mais barato comprar uma viagem de avião para ir adquirir produtos num qualquer outro país); os animais de rua pretendem-se que continuem desprotegidos, pois são o rendimento extra das clínicas vet que se prontificam a ‘$ajudar$’ quem teve pena do animal; mantêm-se o estatuto de venda ‘legal’ de animais para manter o negócio das raças; e somos um país de terceiro mundo em que a sociedade desvaloriza o conhecimento, a cidadania e enaltece a chique-espertice com direito à exploração económica de qualquer causa nobre que alguns sonhem sequer promover…

    • De acordo com algumas coisas que disse, Sérgio, mas não com tudo.

      A causa animal é de facto desprotegida e desregulada, o estado toma muito pouca responsabilidade para si e acaba nas mãos de cidadãos e das associações o cuidado dos animais vulneráveis. Isto significa que não há um serviço público para dar resposta às necessidades desses animais e os cidadãos e as associações têm de recorrer aos serviços privados. Portanto sim, a causa animal gera negócio para muitos.

      Mas tenho de frisar que acredito que o caminho seja a profissionalização da proteção animal, regulando, exigindo gestão especializada e responsável mas também remunerada, seja no âmbito do sector privado ou do público. E uma revisão legislativa séria, que tome verdadeiramente os animais do nosso país como uma responsabilidade do nosso estado.

      E tudo isto tem de ser informado por investigação, na área da detenção responsável de animais de companhia e dos fenómenos da negligência, maus-tratos e abandono. Num census dos animais de companhia que estão a cargo de famílias e registo dos errantes e institucionalizados. E na construção dum projecto competente que questione a criação de animais, as responsabilidades da detenção, as consequências do seu não cumprimento, a esterilização obrigatória, a formação obrigatória, a identificação e rastreabilidade, etc.

      Sim, há muito trabalho para fazer. Muito dele através da nossa participação política, muito também através da participação cívica e imenso nas várias áreas profissionais especializadas nos temas englobados.

      Que cada um faça a sua parte e que continuemos a fazer evoluir esta causa.

Leave a Reply